Especial 5 anos da Polícia Penal do Ceará — A importância do policial na política de ressocialização das pessoas privadas de liberdade
2 de agosto de 2025 - 15:25
Quando se fala em policial penal, o imaginário popular ainda costuma associar a farda à vigilância, ao controle e à imposição da ordem. Mas, no sistema prisional do Ceará, existem fardas que constroem pontes — e não barreiras. Dentro da Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso (Coispe), policiais penais seguem firmes em uma missão que vai muito além dos muros e da segurança: reconstruir vidas.
Rose Feitosa e Alexandre Pirajá são exemplos dessa transformação. Eles atuam diariamente em um setor que se tornou referência nacional. A Coispe, vinculada à Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP), desenvolve políticas públicas robustas e pioneiras voltadas à ressocialização de pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional do Ceará. Essas políticas abrangem múltiplas frentes: da educação à cultura, passando pela qualificação profissional, pelo artesanato, pelas oportunidades laborais e pelas empresas que funcionam dentro das unidades prisionais.
Entre as atividades oferecidas estão o artesanato — com técnicas tradicionais como os projetos Arte em Cadeia e Rede Artesã —, cursos de capacitação profissional, estímulo a oportunidades laborais, projetos de reciclagem e sustentabilidade, além da gestão das Cadeias Produtivas, que permitem a instalação de empresas dentro do sistema prisional e a produção e comercialização de peças feitas pelos internos. Tudo isso configura um modelo robusto e integrado que visa preparar o interno e o egresso para um retorno digno à sociedade.
O projeto Arte em Cadeia, por exemplo, já beneficiou mais de 800 internos, com a produção de peças em 24 oficinas produtivas, algumas delas expostas na loja do shopping Benfica, RioMar Kennedy e Feirinha da Beira Mar. Ao todo, o artesanato feito dentro do sistema prisional alcança mais de 2.300 internos e internas, distribuídos em 14 unidades prisionais.
Outro destaque é o projeto Livro Aberto, que incentiva a leitura como instrumento de transformação e ressocialização, contribuindo também para o cumprimento da Lei Estadual nº 15.718/2014, que prevê remição de pena por meio da leitura. Atualmente, o projeto conta com 10.500 internos e internas participantes em 28 unidades prisionais do Ceará.
A qualificação profissional é outro eixo central dessa política. A Coispe já certificou 25.478 internos, oferecendo cursos que preparam os custodiados para uma nova vida fora do cárcere, com melhores chances de inserção no mercado de trabalho.
No âmbito das Cadeias Produtivas, já são 20 empresas instaladas dentro das unidades prisionais cearenses. Esse modelo promove a qualificação técnica dos internos, incentiva a geração de renda e valoriza a mão de obra prisional como um caminho real de inclusão e ressocialização.
Este trabalho consistente não passou despercebido: a atuação da Coispe é reconhecida nacionalmente pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) como uma das experiências mais consolidadas e bem estruturadas do país.
Rose e Alexandre são peças fundamentais dessa engrenagem. Policiais penais de carreira, eles mostram que a missão da farda vai muito além da contenção. Seu trabalho é contínuo, estratégico e profundamente humano. É sobre acreditar na transformação, sobre enxergar possibilidades onde antes havia apenas estigmas, e sobre fazer da segurança pública um vetor de reconstrução social.
No Ceará, o sistema prisional se transforma por meio de iniciativas concretas e pela atuação de profissionais que enxergam potencial onde outros veem apenas sentença. Porque, no fim das contas, ressocializar é também uma forma de proteger — e o policial penal é protagonista dessa mudança.
Esse avanço é resultado de uma gestão comprometida com a transformação do sistema prisional. Desde 2019, sob a liderança do secretário Mauro Albuquerque, as políticas públicas de ressocialização vêm crescendo em larga escala no Ceará. A expansão dessas ações só foi possível graças aos investimentos contínuos do Governo do Estado, aliados à busca incansável do secretário por recursos, parcerias e soluções que ampliem o alcance e a efetividade dos projetos voltados às pessoas privadas de liberdade.
Para o titular da Pasta, o papel do policial penal no processo de ressocialização é essencial — e precisa ser compreendido em sua totalidade. “A missão do policial penal vai muito além da vigilância. Essa é uma profissão que exige o domínio das Leis de Execução Penal e o compromisso real com a transformação social. Somos agentes da reconstrução, do retorno com dignidade, das oportunidades reais de recomeço. Nossa missão é aplicar a lei com excelência e humanidade”, afirma.
Com esse olhar estratégico e humano, o Ceará vem consolidando um novo paradigma na administração penitenciária brasileira — onde a segurança pública não está dissociada da educação, do trabalho e da dignidade. Um modelo de gestão que entende que ressocializar é também prevenir, proteger e preparar. E que reconhece, nos policiais penais, protagonistas dessa virada de chave.
Cinco anos após a regulamentação da Polícia Penal, o que se vê no Ceará é uma instituição que avança com força, técnica e inteligência — mas que também caminha com empatia, compromisso social e visão de futuro.
Alexandre Pirajá: 12 anos dedicados à ressocialização no sistema penitenciário cearense
Supervisor da Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso (COISPE), Alexandre Pirajá atua como policial penal há quase 12 anos, quase todo esse tempo dedicado à promoção de políticas de ressocialização no sistema prisional do Ceará. Sua trajetória começou na prática, quando percebeu que o ambiente prisional ia muito além da vigilância e da disciplina: “Quando entrei, encontrei salas de aula, projetos de artesanato e até um coral. Foi um choque, pois não imaginava que algo assim pudesse existir em uma unidade prisional.”
Para Pirajá, o principal desafio e objetivo da COISPE é o “resgate de vidas”. Segundo ele, muitos internos chegam sem perspectivas, com histórico ligado ao crime e à violência. A partir das oportunidades oferecidas pela coordenadoria — educação, capacitação profissional, trabalho —, essas pessoas passam a vislumbrar um futuro diferente.
Entre os projetos que ele acompanha, destacam-se a capacitação profissional, as oficinas produtivas e o incentivo à leitura, como o programa Livro Aberto, que registrou um crescimento expressivo desde 2019, alcançando mais de 15 mil internos. “Esse é um marco que demonstra o avanço da ressocialização no Ceará.”
O impacto dessas iniciativas ultrapassa os muros das unidades prisionais. “Mais de 800 egressos foram inseridos no mercado formal de trabalho, com carteira assinada, ocupando hoje funções que vão desde o trabalho artesanal até cargos de chefia em órgãos públicos e empresas privadas. Isso prova que, quando há oportunidade e vontade, a transformação é possível.”
Pirajá destaca ainda que a mudança de cultura interna foi fundamental para o sucesso dos programas. “Antes, muitos policiais penais resistiam à ideia de ver internos fora da cela, trabalhando ou estudando. Hoje, a compreensão é diferente: manter o preso ocupado e capacitado é uma estratégia que reduz conflitos e melhora a segurança.”
Ele reforça que o papel do policial penal é estratégico e multifuncional. “Além da segurança, o agente deve acompanhar a execução dos projetos, garantir a disciplina e assegurar que a produção seja eficiente. É um trabalho que exige preparo técnico e sensibilidade social.”
A identificação de perfis adequados dentro da corporação é apontada por Pirajá como um dos pilares para fortalecer a ressocialização. “Existem policiais com vocação para escoltas e segurança, e outros mais alinhados com os projetos sociais. A gestão deve alocar cada profissional conforme seu perfil para otimizar resultados.”
Para ele, a farda representa respeito e responsabilidade. “O policial penal é o motor central da unidade, responsável por receber, acompanhar e contribuir para a transformação do interno em cidadão.”
O reconhecimento nacional da COISPE por órgãos como a Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Tribunal Regional do Trabalho (TRT) evidencia a importância desse trabalho integrado. “Esse reconhecimento reflete a união entre segurança, disciplina e compromisso social, e reforça o papel da COISPE como referência na ressocialização.”
Sobre os desafios futuros, Alexandre destaca a necessidade de ampliar o alcance da COISPE para outras regiões do estado, especialmente Norte e Cariri. “Já dominamos a região metropolitana, mas é fundamental levar esses programas a unidades maiores do interior, com equipes multidisciplinares e integração com o mercado de trabalho local.”
Ao final, ele deixa uma mensagem para os colegas policiais penais e para a sociedade: “A missão é desafiadora, mas indispensável. Pedimos que a sociedade continue acreditando no nosso trabalho, que une segurança e ressocialização. Juntos, podemos transformar vidas e construir um sistema prisional mais justo e humano.”
Rose Feitosa: entre a farda e a escuta, a construção de novos caminhos no contexto da execução penal
Na trajetória da policial penal Rose Feitosa, a farda nunca foi só símbolo de imposição. Foi, desde o início, uma ferramenta para se aproximar, escutar e transformar. Com 19 anos de carreira e quase uma década na Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso (Coispe), ela construiu um caminho pautado pela sensibilidade e pela crença inabalável no potencial humano.
Sua história com a ressocialização começou em 2008, quando assumiu a chefia de uma unidade feminina. “Passei a olhar as internas com outros olhos e percebi que, quando alguém acredita neles, eles também passam a acreditar em si mesmos”, relembra. Foi a partir dessa vivência que Rose decidiu aprofundar seus estudos: formou-se em Psicologia, especializou-se em Psicologia Jurídica e em Saúde Mental — ferramentas que hoje alimentam sua atuação diária como agente de transformação.
À frente da Coispe, Rose acompanha de perto projetos que vão desde o artesanato à capacitação profissional, da educação formal às oportunidades de trabalho dentro e fora das unidades prisionais. Mas, para ela, mais do que números, esses programas promovem algo essencial: a reconstrução da autoestima e dos vínculos familiares. “Quando eles começam a produzir, a família se aproxima. É como se, pela primeira vez, alguém dissesse a eles que vale a pena recomeçar.”
Uma das histórias que mais a marcaram foi a da interna Cíntia Corvelo, acompanhada por ela desde o início da pena. Cíntia estudou, fez faculdade na UFC com escolta diária feita pela própria Rose, conquistou a tornozeleira eletrônica — sendo a primeira do sistema penal feminino a obter o benefício — e, já em liberdade, foi contratada pela própria SAP. Depois vieram a pós-graduação, o doutorado e a reconstrução total de sua vida. “Ela virou inspiração. Mostrou que é possível ir do fundo do poço ao topo da própria história”, conta.
Além da gestão dos projetos, Rose também faz questão de estar nas unidades. Todo mês, ela realiza palestras em presídios, falando diretamente aos internos sobre as possibilidades reais de transformação após o cumprimento da pena. Em algumas dessas visitas, leva egressos que hoje têm carteira assinada e ocupam cargos de liderança. “Quando eles contam suas histórias, tudo muda. É diferente ouvir de alguém que já esteve ali e hoje tem uma vida diferente. Eles se reconhecem e criam esperança.”
Rose sabe que nem tudo são conquistas. O maior desafio, para ela, ainda é o preconceito. “Tem muita gente que não acredita na mudança. Tanto lá fora quanto dentro do sistema. Ainda ouvimos: ‘isso não vai dar em nada’. Mas cada história transformada prova o contrário.”
Ela defende que o policial penal do presente precisa ir além da vigilância. Precisa ser completo: firme na segurança, mas também capaz de reconhecer potencial e abrir portas. “A gente não transforma ninguém com dureza. Transformar exige escuta, sensibilidade e um olhar que vai além da ficha criminal.”
Sobre vestir a farda, Rose é categórica: “Tenho orgulho. A farda me levou até pessoas que precisavam ser vistas. E eu nunca mais deixei de olhar.”
Com o reconhecimento nacional da Coispe, ela enxerga uma nova fase na política de ressocialização do Ceará. “Hoje, os diretores já encaminham os internos para a gente. Já sabem que existe um caminho. Isso é fruto de um trabalho coletivo, construído com seriedade e afeto.”
E para os novos policiais penais que ingressam agora no sistema, ela deixa uma convocação com alma: “Venham com disposição para transformar. O sistema já tem grades o suficiente. O que ele precisa agora é de gente que acredite. Porque ressocializar é, acima de tudo, acreditar no outro.”