Fim do 3º Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos em Situação de Prisão é marcado por apresentações artísticas de pessoas privadas de liberdade e visita técnica nos projetos de ressocialização do Ceará
26 de outubro de 2024 - 08:37
A capital cearense sediou, entre os dias 22 e 24 de outubro, o 3º Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos em Situação de Prisão. Promovido pela Secretaria Nacional de Políticas Penitenciárias (Senappen), com apoio do Ministério da Educação (MEC), o evento reuniu representantes de todas as regiões do país para trocar experiências e discutir o futuro da educação em ambientes prisionais. O encontro contou com palestras, mesas-redondas, apresentações culturais e, para encerrar, uma visita técnica coordenada pela Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização, com o objetivo de apresentar aos visitantes as práticas de reintegração social adotadas no estado.
Políticas públicas e educação no contexto prisional
Ao longo dos três dias de encontro, o foco das discussões foi a construção de políticas educacionais que favoreçam a ressocialização dos internos. A presença de representantes de 27 estados reforçou a importância da colaboração para o desenvolvimento de práticas pedagógicas eficazes.
Foram debatidas propostas para a criação de planos estaduais de educação, a formação continuada de servidores e o desenvolvimento de projetos pedagógicos que atendam às necessidades das pessoas privadas de liberdade.
Rodrigo Dias, coordenador nacional de Educação, Cultura e Esporte da Senappen, destacou que “a educação no sistema prisional é um direito essencial, com potencial para transformar vidas e abrir novas oportunidades.”
O secretário da administração penitenciária e ressocialização, Mauro Albuquerque, fala sobre o sucesso do evento. “O 3º Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos em Situação de Prisão reforça nosso compromisso em expandir e fortalecer as políticas educacionais no sistema prisional brasileiro. As experiências compartilhadas nesses três dias demonstram que a educação é o caminho para a ressocialização, construindo um futuro de inclusão, dignidade e cidadania para todos”, afirma.
Educação, cultura e sustentabilidade no sistema prisional
No segundo dia do evento, internos da Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes (UP-Imelda) apresentaram uma série de atividades culturais, que incluíram um desfile com roupas sustentáveis, autorretratos com materiais reciclados e uma peça teatral que abordou o impacto da educação ambiental. O desfile, intitulado “Do Lixo ao Luxo”, apresentou vestidos confeccionados a partir de materiais recicláveis, destacando a importância da sustentabilidade e do reaproveitamento de resíduos.
A peça teatral “Transformando Lixo em Luxo”, encenada pelo grupo de teatro “Portugays”, composto por internos, teve como inspiração a obra do artista plástico Vik Muniz e destacou o valor das práticas sustentáveis. As atividades, realizadas sob a orientação da professora Ana Ísis Porto Loreto da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Aloísio Leo Arlindo Lorscheider, fortaleceram a conscientização ambiental e o compromisso com a ressocialização.
EEFM Aloísio Leo Arlindo Lorscheider
A escola é a primeira do Estado do Ceará designada para atender, exclusivamente, à demanda de educação nas unidades prisionais da região metropolitana de Fortaleza.
O estabelecimento de ensino faz parte da estrutura organizacional da Secretaria da Educação do Estado do Ceará e tem como objetivo coordenar as ações pedagógicas, administrativas e financeiras desenvolvidas no contexto de escolarização no sistema penitenciário cearense, com oferta em diferentes níveis de ensino da educação básica, na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A oferta educacional acontece em treze unidades prisionais, localizadas nos municípios de Itaitinga, Aquiraz, Pacatuba e Caucaia. O corpo docente é formado por 90 professores, com 2.000 internos estudando, distribuídos em 148 turmas entre alfabetização, ensino fundamental – anos iniciais, ensino fundamental – anos finais e ensino médio. Além da escolarização, a escola é responsável por 8.000 internos inscritos no projeto de remição de pena pela leitura, Livro Aberto.
O policial penal federal e coordenador nacional de educação, cultura e esportes da SENAPPEN, Rodrigo Dias, parabeniza a iniciativa. “Para mim, foi muito impactante ver a apresentação feita pelos internos do sistema prisional. Eu não imaginava que a construção da ressocialização, por meio da arte e da cultura, pudesse ser tão rica. Essa apresentação, diretamente feita pelos internos, traz um grande valor para aqueles que estão discutindo políticas públicas para adultos e jovens em situação prisional. Esse encontro reúne gestores, professores, pedagogos e policiais penais de todo o país, todos focados na construção de projetos políticos pedagógicos. Estamos falando de jovens, adultos e idosos em situação de aluno, que também são pessoas privadas de liberdade. A apresentação ilustrou a importância de enxergar esses alunos não apenas como indivíduos limitados ao espaço da sala de aula, mas como pessoas que se manifestam culturalmente e se expressam plenamente. Acredito que a cultura e a arte devem ser integradas às políticas públicas pedagógicas. O currículo de educação de jovens e adultos é, na verdade, um currículo para a vida”, afirma.
A diretora da EEFM Aloísio Leo Arlindo Lorscheider, Sirlândia Dantas, fala sobre a apresentação. “Estamos aqui emocionados em mostrar um pouco do trabalho que desenvolvemos dentro das treze unidades prisionais que atendemos. A EEFM Aloísio Leo Arlindo tem um papel crucial nesse processo, proporcionando educação e novas perspectivas para os internos, o que é fundamental para sua reintegração à sociedade. Além disso, a apresentação feita pelos internos da Unidade Prisional Irmã Imelda em um evento nacional demonstra o quanto eles estão aproveitando essas oportunidades, não apenas como uma forma de aprendizado, mas como um caminho para a transformação pessoal”, afirma.
A professora pedagoga Ana Ísis Porto Loreto, responsável pela iniciativa, destacou que o projeto vai além da arte, traz transformação e mudanças. “Sou pedagoga formada pela Universidade Federal do Ceará. O trabalho que estou trazendo para vocês hoje foi inspirado na minha experiência universitária, onde uma pedagoga me motivou a compartilhar esse conhecimento com meus alunos. A apresentação foi toda produzida e realizada pelos próprios alunos. Eu fui apenas uma mentora diante de toda essa arte. Quero reafirmar a importância da educação dentro do sistema, pois é aqui que conseguimos ver a transformação. É lá dentro que temos a certeza de que podemos efetuar mudanças. A arte se torna um veículo poderoso de expressão e transformação pessoal”, concluiu.
Encerramento com visita técnica ao sistema prisional do Ceará
O último dia do evento foi marcado pela visita de uma comitiva às unidades prisionais de referência do Ceará, incluindo a Unidade Prisional Feminina Desembargadora Auri Moura Costa (UPF) e a Escola Estadual de Educação Profissional para Pessoas Privadas de Liberdade (EEEPPL), localizada na Unidade Prisional de Estudo, Capacitação e Trabalho (UPECT). A visita técnica permitiu que os participantes observassem de perto as práticas de reintegração social desenvolvidas pela SAP e os cursos de capacitação profissional oferecidos aos internos.
A visita foi acompanhada pelo coordenador de Educação da SAP, Rodrigo Moraes, que destacou a importância de compartilhar o sucesso das políticas de ressocialização implantadas no estado. “O Ceará é um exemplo de que a educação e a capacitação profissional em ambientes prisionais têm papel fundamental para a ressocialização e a reconstrução de vidas. Essa troca de experiências nos fortalece e abre novos horizontes para aprimorarmos os programas educacionais e de capacitação nos presídios de todo o país”, atenta.
O educador penitenciário e chefe da unidade de assistência escolar e profissionalizante do Instituto de Administração Penitenciária do Amapá, Ozeias Ferreira, pontua o que mais chamou atenção durante a visita. “Como educador penitenciário há 11 anos, pude observar alguns pontos que merecem destaque. Primeiro, a estrutura organizacional está conservada e adequada, com procedimentos rotineiros padronizados e uma equipe funcional que atua em sintonia e alinhamento. O que realmente chamou minha atenção foi a quantidade e diversidade de atividades oferecidas ao mesmo tempo, com um número significativo de pessoas privadas de liberdade (PPLs) participando, e os espaços de atividades separados por alas. Outro ponto importante é que não há superlotação, com vagas suficientes sendo oferecidas. Além disso, os espaços temáticos valorizam a cultura da região, algo que também merece reconhecimento”, disse.