Sistema Prisional do Ceará – Uma Transformação Permanente

25 de abril de 2025 - 13:00

UPPOO2 – O antigão ampliado, renovado e ressocializador

E a nossa série começa na Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira II, conhecida como UPPOO II. Inaugurada em 19 de setembro de 2002, ela está localizada no município de Itaitinga, às margens da BR-116, Km 17. A construção da unidade aconteceu durante a gestão do governador Beni Veras, com a Secretária da Justiça Sandra Dond Ferreira à frente da pasta.

Desde sua fundação, a UPPOO II vem passando por constantes transformações, tanto em sua estrutura física quanto no modelo de gestão. Atualmente, está em processo de transição para que sua população carcerária seja totalmente integrada ao regime semiaberto, com foco na ressocialização dos internos e na valorização da atuação da Polícia Penal.

A unidade foi inicialmente projetada para abrigar 716 vagas, mas, a partir de 2019, passou a contar com 628 vagas acrescidas, totalizando 1.344 vagas. Todas as vagas foram construídas com mão de obra carcerária, oriunda dos cursos de capacitação profissional, o que proporciona aos internos uma chance de desenvolver novas habilidades durante o cumprimento da pena, contribuindo para sua reintegração à sociedade.

A partir de 2019, com a reestruturação promovida pela nova gestão da Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP), a unidade passou por mudanças significativas. Essas transformações foram pensadas para melhorar as condições de trabalho dos policiais penais e expandir os projetos voltados à ressocialização das pessoas privadas de liberdade.

Um exemplo dessas melhorias foi a construção de novos alojamentos para os policiais penais, proporcionando condições de trabalho mais dignas e seguras. Com espaços adequados para descanso e convivência, os policiais passaram a ter uma estrutura que favorece tanto a sua recuperação quanto a performance no dia a dia, garantindo mais eficiência e segurança no serviço prestado à unidade.

A rotina da UPPOO II é complexa e bem estruturada. Cada plantão conta, em média, com 31 policiais penais, divididos em 13 postos estratégicos que mantêm o funcionamento e a segurança da unidade. O primeiro desses postos é a recepção, que cuida da segurança externa, do controle de acesso à unidade e do recebimento de visitantes. Na linha, são realizadas as inspeções com dispositivos eletrônicos como body scan, portal detector de metais e raio-X.

Outros setores importantes incluem o Monitoramento por câmeras, o galpão da Serralheria (onde funcionam vários projetos), e o quadrante – considerado o “coração” da unidade. É no quadrante que se organizam os atendimentos médicos, odontológicos, psicológicos, jurídicos, e também atividades como videoconferências e rondas internas.

A UPPOO II também possui o Galpão da Rede Artesã, a Escola, onde acontece a oferta educacional da unidade, além de setores específicos divididos em três pavilhões (P1, P2 e P3), cada um com quatro alas. A segurança é reforçada pelas rondas periódicas e pelas guaritas da muralha, que contam com a presença conjunta de policiais militares e penais, garantindo a vigilância e o controle do perímetro da unidade.

Atualmente, a direção da UPPOO II está sob a responsabilidade do policial penal Martins, que tem sido fundamental na implementação de uma nova visão para a unidade. Sob sua liderança, a UPPOO II tem se destacado pela transição para o regime semiaberto, refletindo uma mudança de foco para a ressocialização e requalificação dos internos. Martins enfatiza que a mudança vai além do simples encarceramento; ela envolve um compromisso com a transformação social dos presos, permitindo que eles se preparem para um retorno digno à sociedade. “Nossa unidade está voltada para estudar e trabalhar, com o objetivo de capacitar os internos para que possam retornar à sociedade de forma produtiva”, afirma o diretor. Ele também destaca a importância de acompanhar de perto os processos de cada interno, para que sua situação processual seja tratada de forma eficaz e eficiente. “É fundamental que estejamos atentos ao andamento de cada processo, garantindo que cada interno tenha a oportunidade de seguir seu caminho de forma justa e com os recursos necessários para sua reabilitação e reintegração”, completa.

Com mais de duas décadas de existência, a UPPOO II segue se adaptando à nova realidade do sistema prisional cearense: mais humanizado, mais seguro e mais voltado para a transformação social.

O trabalho da Polícia Penal: pilar da ressocialização

Por trás de cada projeto de ressocialização que acontece dentro da Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira II, existe o trabalho incansável e muitas vezes invisível do policial penal. Mais do que garantir a segurança e a ordem, esses profissionais são agentes fundamentais na transformação da realidade carcerária. São eles que organizam a rotina, fazem a mediação entre internos e serviços, asseguram o funcionamento das atividades educativas, culturais e laborais. É por meio do comprometimento diário e da atuação estratégica da Polícia Penal que os projetos de ressocialização ganham vida e se mantêm funcionando. O que ocorre nos pavilhões, oficinas e salas de aula da unidade é fruto de uma atuação integrada, firme e humanizada, sendo o policial penal o principal alicerce dessa construção.

Um exemplo vivo dessa transformação é o policial penal Fernando Cláudio da Silva, que atua há 27 anos no sistema penitenciário cearense, e há 5 anos integra a equipe da UPPOO II. Durante sua carreira, Fernando vivenciou diversas mudanças que marcaram o sistema penitenciário cearense, com destaque para a gestão do secretário Mauro Albuquerque, que, para ele, foi um divisor de águas. “Quando entrei, o sistema era muito precário, sem condições de trabalho e com uma estrutura ineficiente. Mas com a nova gestão, conseguimos tudo o que sempre sonhamos: condições de trabalho, equipamentos modernos e uma estrutura organizada e disciplinada”, lembra.

Fernando destaca que, mais do que as melhorias materiais, o grande avanço foi na qualificação e capacitação dos internos, que era um sonho distante nos primeiros anos de sua carreira. “Hoje, mais de 500 internos estão matriculados em cursos de educação básica, ensino médio e até ensino superior. Não é mais como antes, quando o interno saía sem qualquer qualificação. Hoje, somos agentes transformadores, e esse é um dos maiores legados dessa nova gestão”, afirma. Para ele, a transformação dentro do sistema penitenciário é essencial para que haja uma mudança verdadeira na sociedade: “A transformação lá fora é difícil se não houver uma transformação aqui dentro primeiro.”

A UPPOO II, com o apoio da Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP) e com a dedicação do atual diretor Martins e do adjunto Nascimento, tem se tornado um exemplo de ressocialização bem-sucedida. “A escola da unidade e os projetos de capacitação têm dado aos internos a oportunidade de recomeçar, com uma visão mais ampla e preparada para o mercado de trabalho”, conclui Fernando.

O tripé da ressocialização — Educação, Capacitação Profissional e Trabalho

A oferta educacional na Unidade Prisional Professor Olavo Oliveira II (UPPOO II) é vista como essencial para a ressocialização dos internos. Antes de serem inseridos no mercado de trabalho ou em programas de capacitação profissional, os presos precisam construir uma base educacional sólida. A educação reflete uma transformação profunda no sistema prisional cearense, que tem priorizado não apenas a segurança, mas também a reintegração plena dos internos à sociedade.

A UPPOO II conta com uma estrutura sólida de ensino formal, com 9 salas de aula em funcionamento nos turnos da manhã, tarde e noite, atendendo aproximadamente 550 internos distribuídos entre os ensinos fundamental, médio e superior (na modalidade EAD). A equipe pedagógica é composta por 9 professores, resultado de uma parceria entre a Secretaria da Educação do Estado do Ceará (SEDUC) e o Serviço Social da Indústria (SESI), que viabilizam a atuação docente dentro da unidade.

Os internos que não concluíram os estudos antes da reclusão têm a oportunidade de retomar sua trajetória educacional por meio de programas como o ENCCEJA PPL (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos para Pessoas Privadas de Liberdade) e o ENEM PPL (Exame Nacional do Ensino Médio para PPL), instrumentos que funcionam como pontes para a conclusão da educação básica e, em alguns casos, para o ingresso no ensino superior. Atualmente, cinco internos cursam graduação à distância, demonstrando o alcance e o impacto positivo das políticas educacionais no ambiente prisional.

Além do ensino formal, a unidade também conta com uma biblioteca ativa, mantida por seis internos que atuam como “livreiros”. Eles são responsáveis pela organização e manutenção do acervo do projeto Livro Aberto, além da distribuição dos livros entre os pavilhões e do apoio logístico às atividades escolares. A participação nessa função proporciona aos internos não apenas o acesso à leitura e à cultura, mas também remição de pena — um incentivo que valoriza o empenho pessoal e intelectual dentro do processo de ressocialização.

O trabalho na biblioteca, para quem o vive de dentro, torna-se um espaço de reconexão com a própria história e com um futuro que, pela primeira vez, parece possível. Márcio Rodrigues, um dos internos livreiros da unidade, compartilha como essa oportunidade impactou sua vida. “No começo, o que mais me tocou foi perceber que esse trabalho na biblioteca era mais do que uma tarefa. A gente vem de uma vida desorganizada, sem direção. Aqui, fui desenvolvendo responsabilidade, rotina, e me sentindo parte de algo. Isso mexe com a mente, com a autoestima. Saber que meu trabalho ajuda outro preso a ler, a aprender, a crescer, dá um significado novo ao meu dia. Não é só pela remição de pena, é sobre se tornar alguém melhor. A gente passa a enxergar que é possível mudar. Às vezes, nem percebe a dimensão disso tudo na hora… mas ela está ali. A transformação vai acontecendo, página por página”.

Voz da transformação: a professora que encontrou liberdade na sala de aula

Entre as muitas histórias que emergem dos muros da UPPOO II, uma se destaca pelo olhar sensível e pelo compromisso com a transformação: a da professora Sângela Torres, que desde novembro de 2020 dedica sua trajetória à educação prisional. Ao longo de mais de quatro anos de atuação, ela não apenas ensinou — ela foi profundamente transformada.

“Foi a experiência mais rica da minha vida profissional”, conta. Cada aula, cada conversa, cada relato de vida que surgia entre as carteiras da sala de aula revelava algo maior: o desejo real dos internos por mudança, o sonho de um futuro que pudesse ser diferente do passado. E foi diante dessa realidade que ela sentiu que tinha um dever maior enquanto educadora: dar visibilidade a essas histórias.

Para ela, a educação prisional é mais do que uma exigência legal — é uma missão. Uma missão de humanizar, de romper preconceitos, de desmistificar a ideia de que a prisão é apenas um local de punição. “Aqui dentro, eu me sinto cada vez mais humana”, diz. E completa: “A liberdade aqui é diferente. Ela é simbólica. É a liberdade de pensar, de poder fazer diferente. As grades não limitam. Elas fazem parte do cenário, mas não determinam o que acontece dentro de uma sala de aula.”

A vivência intensa com os internos inspirou seu projeto de mestrado, na linha de Educação, Currículo e Ensino, dentro do eixo Aprendiz, Docência e Escola. O tema: educação prisional como mecanismo de emancipação social. Seu trabalho parte da convicção de que a educação não está ali apenas para reparar, mas para transformar. “A cela de aula, como alguns chamam, é um espaço de mil e uma possibilidades. E é nosso dever mostrar isso à sociedade.”

A professora também reflete sobre como o aprendizado é uma via de mão dupla. Frequentemente surpreende os alunos ao dizer que aprende com eles. “Quando eles me trazem uma vivência de fora, uma experiência que eu não conhecia, isso vira ponto de partida para a próxima aula.” Para ela, é esse encontro entre saberes formais e saberes de vida que torna a educação prisional tão potente.

E quando os internos saem da sala e compartilham com outros o que aprenderam, inspiram. Criam novas demandas por ensino dentro da própria prisão. Plantam curiosidade, desejo, transformação.

Tiago de Oliveira, um dos internos que estuda na UPPOO II, é um exemplo claro desse processo de transformação. Ao refletir sobre a oportunidade de ter acesso à educação dentro do sistema prisional, ele compartilha como a experiência tem sido significativa para sua vida.

“Está sendo uma experiência muito boa para mim, porque estou aprendendo bastante. Eu tive a oportunidade de estudar lá fora, mas, devido ao caminho que estava seguindo, acabei não aproveitando. Agora, aqui dentro, estou tendo a chance de continuar esse aprendizado e não vou deixar passar. Graças a Deus, essa oportunidade chegou.”

Tiago também compartilha o impacto profundo que a educação tem em sua vida, ressaltando seu poder transformador: “Para mim, a educação é tudo. Ela tem o poder de transformar as pessoas, e são as pessoas, por meio desse conhecimento, que têm o poder de mudar o mundo.”

Capacitação profissional: preparando os internos para um novo futuro

A capacitação profissional desempenha um papel fundamental na jornada de ressocialização dos internos da UPPOO II. Juntamente com a educação formal, a unidade tem investido em uma série de cursos de qualificação, oferecendo aos internos a oportunidade de aprender novas habilidades e adquirir uma nova perspectiva para o futuro.

Desde 2019, 2.373 internos concluíram cursos na Unidade em diversas áreas, como pedreiro, eletricista, marceneiro, cabeleireiro, corte e costura, informática, entre outros. Esses cursos têm sido essenciais para preparar os internos para o mercado de trabalho e ajudar na sua reintegração à sociedade, oferecendo as ferramentas necessárias para garantir uma renda estável após deixarem a unidade.

Atualmente, a UPPOO II oferece uma variedade de cursos, como pedreiro de alvenaria, pintura, corte e costura, e eletricista predial, todos em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Além disso, os internos têm a oportunidade de se qualificar em informática e, também, de participar do projeto “Acordes para a Vida”, que oferece cursos de violão. Para aqueles que buscam uma formação mais voltada à espiritualidade, há a opção de cursos de teologia, através da Pastoral Carcerária. Esses programas não apenas proporcionam qualificação técnica, mas também abrem portas para um recomeço, permitindo que os internos construam um novo caminho com mais oportunidades e autonomia.

A capacitação, portanto, não se resume a conquistar um diploma ou certificado, mas a adquirir habilidades práticas que serão fundamentais na reintegração à sociedade e no mercado de trabalho.

Manoel Lucas, um dos internos que está atualmente concluindo o curso de pedreiro, compartilhou sua experiência sobre a importância dessa capacitação em sua trajetória. “Quando entrei no sistema prisional, eu não tinha muita formação. Concluí o ensino fundamental, mas nunca pensei que teria uma chance de me capacitar em algo técnico. Mas logo comecei o curso de pedreiro pelo SENAI, e foi quando percebi que aqui dentro eu poderia ter uma nova oportunidade. A unidade nos oferece a teoria, mas o mais importante é que podemos colocar tudo em prática. A aula prática faz a diferença, porque é ali que conseguimos visualizar como o aprendizado se aplica no mundo real”, conta.

Ele ainda reflete sobre a transformação que a oportunidade de estudar e aprender dentro da unidade traz. “Eu estou terminando o curso agora, e o que eu mais percebo é como ele mudou minha mentalidade. Não era mais sobre o que eu tinha perdido, mas sobre o que eu poderia conquistar. O apoio da SAP tem sido essencial, e agora eu vejo um futuro diferente. Com o certificado, posso procurar emprego fora daqui. Não é só um curso, é uma chance de recomeçar de verdade”, diz Manoel, com otimismo.

Manoel também compartilha o impacto que essa capacitação tem na sua visão de futuro: “Eu tenho uma esposa e um filho. Quando olhei para o meu passado, vi o quanto precisava mudar. Agora, depois de ter terminado o ensino médio aqui, e estar concluindo o curso de pedreiro, vejo um caminho mais claro na frente. Os cursos de capacitação aqui dentro, como pedreiro, costura e outros, nos dão uma nova chance, uma forma de mudar de vida. Acredito que, ao sair daqui, posso fazer algo diferente, melhorar minha situação e proporcionar uma vida melhor para minha família. Essa oportunidade que a unidade nos oferece é a chance de escrever uma nova história.”

Trabalho: transformando conhecimento em oportunidades

Se capacitar é um passo importante. Mas colocar esse conhecimento em prática, com propósito e responsabilidade, é o que realmente consolida a mudança de rota. Por isso, o trabalho é uma das frentes mais potentes dentro da proposta de ressocialização da UPPOO II. Aqui, ele não é apenas uma ocupação. É rotina, é disciplina, é dignidade.

A unidade oferece diferentes possibilidades de trabalho para os internos, que vão desde funções de apoio na manutenção da própria prisão até áreas produtivas estruturadas, como a cozinha e a padaria. Cada tarefa é pensada para que o interno desenvolva habilidades técnicas e sociais, construa vínculos de responsabilidade e consiga vislumbrar, aos poucos, um futuro possível do lado de fora.

Além dessas atividades, alguns internos com conhecimentos específicos em assistência eletrônica e manutenção elétrica também têm a oportunidade de trabalhar diretamente na manutenção da infraestrutura da unidade. Esses internos são responsáveis por realizar reparos e consertos em diversos aparelhos, tanto da unidade prisional quanto de policiais penais, como televisores, computadores, notebooks, ventiladores, entre outros. Eles garantem que os equipamentos funcionem corretamente, contribuindo para o bom andamento das atividades diárias da unidade.

Na cozinha, são 21 internos envolvidos na preparação de todas as refeições da unidade, que incluem café da manhã, almoço, lanche, jantar e ceia — tanto para os internos quanto para os policiais penais, com cardápios diferenciados. Internos com restrições alimentares, como os 86 que hoje seguem dietas específicas por condições como hipertensão, diabetes ou uso de bolsa de colostomia, também recebem atenção especial. Todo o processo é acompanhado por uma nutricionista, que garante o balanceamento das refeições, feitas com cerca de 19 mil quilos de alimentos por mês. A cozinha funciona diariamente das 4h da manhã até as 19h e conta ainda com um cozinheiro oficial e dois auxiliares técnicos.

Mas o trabalho não termina na cozinha. Depois que tudo está pronto, entra em cena outra equipe: seis internos ficam responsáveis por organizar a distribuição das refeições por ala, separando quentinhas, identificando dietas especiais, e garantindo que cada parte da unidade receba o alimento certo, na hora certa. Eles também ajudam no carregamento e transporte dos insumos, colaborando com a logística de abastecimento da cozinha.

Já na padaria, o dia começa cedo e termina à tarde. Das 4h às 17h, 10 internos trabalham como auxiliares de padeiro, sob a orientação de dois colegas mais experientes, que compartilham suas técnicas no dia a dia. De lá, saem cerca de 8 mil pães por dia, além de bolos e lanches que abastecem a unidade. Mais do que produção, o espaço é também um ambiente de aprendizado constante, troca e construção coletiva.

Todos os internos que atuam na cozinha e na padaria recebem tanto a remição de pena quanto a remuneração, como forma de reconhecer esse esforço. A cada três dias trabalhados, um é descontado da pena, e o valor pago segue a regra: 50% vai para a família, 25% para o pecúlio do interno — um fundo pessoal que ele poderá acessar ao sair — e 25% para o fundo penitenciário. Além de representar um alívio financeiro para os familiares que estão do lado de fora, esse pagamento funciona como um incentivo direto à responsabilidade, ao comprometimento e ao planejamento para o futuro.

Quem vive essa rotina sabe o que ela representa. Idelvan de Freitas, interno que atua como auxiliar de padaria há quase dez meses, já tinha experiência com massas — antes de ser preso, era dono de uma pizzaria. Hoje, ele enxerga na UPPOO II uma chance real de recomeçar: “Aqui dentro, eu só aprimorei o que já sabia e também aprendi técnicas novas com outros internos. A gente troca conhecimento o tempo todo. Quero continuar nesse caminho quando sair, porque é uma área que conheço e que pode me sustentar. Já tô me preparando pra seguir em frente com isso.”

Idelvan trabalha das quatro da manhã até a uma da tarde na padaria. À tarde, estuda. Concluiu o ensino fundamental e médio dentro do sistema prisional e hoje cursa ensino superior em Gestão Ambiental, pela faculdade Anhanguera, na própria unidade. Também participa do projeto Livro Aberto e fala com orgulho da rotina puxada: “Eu trabalho, estudo e ainda participo dos projetos aqui. A unidade me deu acesso ao Enem, à faculdade e à biblioteca. Se você quer mudar, tem chance. O sistema não é faculdade do crime, como muita gente pensa. Mas é preciso querer. Quando você escolhe o outro caminho, as oportunidades aparecem.”

Artesanato: transformando vidas por meio da criatividade e da arte 

Na UPPOO II, os projetos de artesanato desempenham um papel fundamental na transformação da vida dos internos. Mais do que uma ocupação, esses projetos incentivam a ressocialização, fortalecem os vínculos familiares e proporcionam novas habilidades. Cada uma das iniciativas oferece não apenas aprendizado, mas também uma oportunidade de gerar renda, seja para o interno ou para sua família.

O Rede Artesã é um dos projetos mais impactantes, com 151 internos envolvidos. Ele permite que os detentos aprendam o ofício artesanal e contribuam para o sustento de suas famílias. As peças produzidas, como roupas e acessórios, são entregues aos familiares para serem comercializadas, gerando uma fonte de renda extra ou até principal. Além disso, o projeto fortalece o vínculo entre os internos e suas famílias, já que a comercialização das peças envolve a participação ativa dos familiares.

Já o Reciclarte, com a participação de 4 internos, é uma iniciativa inovadora que utiliza resíduos têxteis doados pela empresa Malwee. Com a orientação da artista plástica Socorro Silveira, os internos aprendem a reaproveitar materiais recicláveis para criar peças de arte, incentivando a criatividade e a conscientização ambiental. Este projeto não só ensina uma nova habilidade, mas também promove um impacto sustentável dentro da unidade.

O projeto Patchwork reúne 19 internos que trabalham com retalhos de jeans doados pela loja Handara. A produção de bolsas, mochilas e necessaires não apenas oferece uma oportunidade de capacitação, mas também cria produtos que podem ser vendidos.

No Arte em Cadeia, 12 internos aprendem uma nova profissão e ganham o benefício da remição de pena — a cada três dias de trabalho, um dia é descontado da sentença. Além disso, as peças produzidas são comercializadas, e os recursos arrecadados são destinados ao Fundo Rotativo do Sistema Penitenciário Cearense (FUROPEN), que apoia a manutenção das unidades prisionais e as atividades de reintegração social.

Por fim, o projeto Mãos que Reciclam, com 5 internos, transforma retalhos de banners de órgãos públicos em produtos úteis, como pastas, ecobags e porta-canetas. Esse projeto além de promover a reciclagem, também ensina os internos a desenvolver produtos com potencial de comercialização, gerando mais uma alternativa de renda e consciência ambiental.

Transformando resíduos em oportunidades: a força da reciclagem no sistema prisional

A sustentabilidade desempenha um papel crucial dentro da unidade, e um dos exemplos mais expressivos dessa prática é o Programa de Reciclagem de Alumínio. Com a participação de 7 internos, o projeto se dedica a dar um novo propósito aos materiais que normalmente seriam descartados.

O processo começa com a coleta das quentinhas, as embalagens de alumínio usadas para as refeições. Os internos são responsáveis pela limpeza e separação desses materiais, incluindo a remoção dos restos de comida, que são vendidos para alimentação de animais. As tampas de papelão também são reaproveitadas, tornando o projeto ainda mais completo no que se refere à redução de desperdícios.

Em termos de produção, o programa tem se mostrado eficaz. A cada 15 dias, são produzidos cerca de 24 fardos, totalizando aproximadamente 615 kg de material reciclado. O valor gerado com a venda desses produtos é investido na própria unidade, contribuindo para melhorias e manutenção da infraestrutura.

Além de promover a sustentabilidade ambiental, o projeto também oferece aos internos uma ocupação significativa, ajudando-os a desenvolver uma mentalidade voltada à reutilização e à responsabilidade social. Dessa forma, não só contribui para o meio ambiente, mas também para a construção de uma rotina mais produtiva e alinhada com as necessidades do meio ambiente.

Saúde integral: cuidados diários para o bem-estar dos internos

Na UPPOO II, a saúde dos internos é tratada com seriedade, oferecendo um atendimento diário e diversificado, que abrange diversas áreas de cuidado.  A unidade está equipada para garantir que os internos recebam cuidados médicos contínuos, desde consultas básicas até tratamentos especializados, promovendo o bem-estar físico e psicológico da população carcerária.

Diariamente, dois médicos clínicos gerais atendem, em média, 510 internos, de segunda a quinta-feira, das 8h às 17h. A saúde bucal também é cuidada com atenção, com um dentista atendendo cerca de 530 internos. Além disso, o suporte psicológico está disponível para até 480 internos, com um psicólogo oferecendo acompanhamento contínuo para lidar com as dificuldades emocionais típicas do ambiente prisional.

A fisioterapia é realizada semanalmente, com atendimentos às terças-feiras, alcançando até 40 internos. Para casos mais complexos, um psiquiatra visita a unidade uma vez por mês, atendendo 25 internos que necessitam de acompanhamento especializado.

A enfermagem tem um papel crucial, realizando triagens duas vezes por semana para identificar internos com necessidade urgente de atendimento, garantindo respostas rápidas e eficientes. A unidade ainda dispõe de 10 leitos para internações, caso necessário, e oferece cuidados contínuos com programas de saúde voltados para doenças como HIV, tuberculose, diabetes, hipertensão e o controle de medicação psicotrópica.

A farmácia da unidade garante a distribuição diária de medicamentos essenciais, incluindo psicotrópicos, antibióticos, antifúngicos, além de tratamentos para condições como hipertensão, diabetes, tuberculose e HIV. A vacinação também é regularmente realizada, com imunização contra influenza, Covid-19, tétano e hepatite B, assegurando proteção contra doenças graves e transmissíveis.

Com essa estrutura de saúde integrada, a unidade prisional não só oferece cuidados médicos diários, mas também contribui para o bem-estar dos internos ao longo de sua jornada na unidade, preparando-os para um retorno saudável à sociedade.

Esporte e educação física: valorizando o corpo e a mente

Na UPPOO II, o esporte e a educação física também desempenham um papel essencial no bem-estar dos internos, promovendo saúde física, socialização e desenvolvimento de habilidades como disciplina e trabalho em equipe. A prática de atividades físicas é garantida diariamente, com um foco específico durante o banho de sol e uma programação mais estruturada às sextas-feiras, com torneios de futebol.

Durante o banho de sol, os internos têm a oportunidade de praticar exercícios, que são supervisionados por um profissional de educação física. O acompanhamento inclui alongamentos e movimentos específicos para garantir que a atividade seja realizada de maneira segura e eficaz, ajudando a manter a saúde e proporcionando alívio emocional. Já às sextas-feiras, o futebol se destaca como a principal atividade da semana, incentivando o espírito de equipe e promovendo a diversão através de partidas dinâmicas.

Essas atividades não só ajudam a reduzir o estresse e a ansiedade, mas também oferecem uma forma de ocupar a mente de maneira produtiva. O esporte contribui para a construção de uma base sólida para sua reintegração à sociedade.

Assistência religiosa: fortalecendo a espiritualidade e a esperança

Na UPPOO II, a assistência religiosa ocupa um espaço essencial na vida dos internos, funcionando como um instrumento de apoio emocional, espiritual e de transformação pessoal. A fé, para muitos, se torna um caminho de reconciliação consigo mesmo, com a família e com a sociedade. Por isso, a unidade oferece uma programação ampla e constante, que vai desde cultos e visitas religiosas até cursos de formação teológica.

Um dos destaques é o Curso de Teologia, voltado para os internos que desejam aprofundar seu conhecimento espiritual. Com apoio de pastores e líderes religiosos, o curso aborda temas como fé, ética e valores morais, incentivando reflexões sobre o passado e novos projetos de vida para o futuro. Muitos internos encontram nesse espaço não apenas conhecimento, mas um propósito — uma forma de reconstrução pessoal.

Além do curso, os cultos são realizados com frequência ao longo da semana, em parceria com instituições como a Igreja Videira, a Igreja Universal e outras organizações que atuam diretamente dentro da unidade. Esses momentos de louvor, oração e reflexão criam um ambiente de acolhimento, fortalecendo a espiritualidade e contribuindo para a estabilidade emocional dos internos. Os espaços destinados a essas atividades foram preparados para garantir conforto e dignidade, favorecendo a conexão entre os participantes e a mensagem transmitida.

Outra ação da assistência religiosa é o trabalho contínuo da Pastoral Carcerária, que promove visitas regulares com foco na escuta ativa, orientação espiritual e fortalecimento da fé. Em muitos casos, essas visitas se transformam em oportunidades de desabafo, aprendizado e reconstrução interior, especialmente para aqueles que chegam à unidade fragilizados emocionalmente.

A presença religiosa dentro da UPPOO II vai muito além da prática litúrgica. Ela representa acolhimento, reconstrução de valores e retomada da esperança. Ao promover atividades que alimentam a espiritualidade e o autoconhecimento, a unidade contribui de maneira significativa para a transformação da vida dos internos, mostrando que é possível recomeçar — com fé, dignidade e novas perspectivas.

Apoio social e jurídico: garantindo direitos 

Na UPPOO II, o suporte social e jurídico é uma frente fundamental para garantir os direitos dos internos e contribuir para uma jornada mais humana e justa dentro do sistema prisional. O trabalho é contínuo e abrange desde o acompanhamento individual até ações em grupo que aceleram processos legais e fortalecem os vínculos com o mundo lá fora.

A assistência social atua de forma direta com os internos, realizando cerca de 50 atendimentos mensais. O serviço é essencial para encaminhamentos, escuta qualificada, orientação familiar e suporte em questões pessoais e legais, ajudando a manter o equilíbrio emocional e o contato com a família.

Na área jurídica, os mutirões de revisão processual têm sido uma iniciativa de grande impacto. Com apoio de instituições parceiras, esses esforços resultam diariamente na concessão de 10 a 20 alvarás de soltura — uma ação que não apenas desafoga o sistema, mas assegura que os internos tenham seus direitos analisados com mais agilidade e justiça.

Além disso, a unidade conta com nove parlatórios para atendimento jurídico presencial, garantindo que os internos tenham acesso aos seus advogados. Para aqueles que, por qualquer motivo, não recebem visitas presenciais, seis salas de videoconferência possibilitam o contato remoto com familiares e defensores, assegurando o direito ao diálogo e à assistência, mesmo à distância.

Esse suporte integral, tanto jurídico quanto social, faz parte de uma rede de cuidado que busca não apenas o cumprimento da pena, mas a dignidade no processo e a reconstrução de vínculos essenciais para a vida em liberdade.

Visitas sociais: reencontros que humanizam e reconstroem laços familiares

Na UPPOO II, o momento das visitas é mais do que uma simples rotina — é um elo essencial entre o interno e sua rede de afeto. Aos sábados e domingos, das 8h às 12h, cerca de 300 pessoas entram na unidade por dia para reencontros que ajudam a manter vivos os vínculos familiares e dão novo sentido à ressocialização.

A estrutura foi pensada para oferecer acolhimento e dignidade. As visitas acontecem em salas de aula adaptadas, no auditório da unidade e também em espaços reservados, como os ambientes da Igreja Videira e da Igreja Universal. Estes espaços contam com ar-condicionado e são voltados para visitas prioritárias, especialmente de crianças e idosos, garantindo mais conforto e cuidado a quem mais precisa.

Esses encontros, mesmo que breves, representam um respiro emocional tanto para quem está dentro quanto para quem espera do lado de fora. Manter os laços afetivos é parte essencial do processo de reconstrução da vida em liberdade — e a UPPOO II reconhece essa importância ao oferecer um ambiente humanizado, seguro e respeitoso para todos os envolvidos.